Fundadora da Casa Paliativa, a jornalista acolhe pacientes com doenças graves para falar sobre dor, autoconhecimento e vida
Ana Michelle Soares está viva agora. É neste es...
Fundadora da Casa Paliativa, a jornalista acolhe pacientes com doenças graves para falar sobre dor, autoconhecimento e vida
Ana Michelle Soares está viva agora. É neste espaço de tempo, no presente, em que ela escreve, ajuda outras pessoas e faz planos para o futuro. Diagnosticada com câncer de mama metastático há quase uma década, ela espera poder viver mais dez anos, mas aprendeu a não condicionar a sua felicidade ao que está por vir. Em vez disso, usa as horas que tem para se dedicar a Casa Paliativa, projeto criado junto com a médica Ana Claudia Quintana Arantes para acolher pacientes com doenças graves e falar sobre dor, autoconhecimento e vida. Luta também por uma medicina mais humana na qual médicos não minimizem a dor do doente.
Recentemente, a jornalista lançou o livro "Vida Inteira", uma reflexão aberta e verdadeira sobre diversos momentos de sua vida, o que inclui o término de um casamento abusivo. "Me sentia muito mais morta vivendo uma relação abusiva do que me sinto tendo uma doença grave. Hoje, cada célula do meu corpo está viva e a fim desse rolê do jeito que ele se apresenta", diz.
Ana bateu um papo com o Trip FM sobre sua infância, a experiência transformadora da ayahuasca, maconha, e – como não poderia deixar de ser – vida e morte. Confira no play ou leia um trecho a seguir.
[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2022/02/620546843ef40/ana-michelle-soares-cancer-cuidados-paliativos-tripfm-mh.jpg; CREDITS=Divulgação; LEGEND=Ana Michelle Soares; ALT_TEXT=Ana Michelle Soares]
Trip. Eu queria voltar lá para trás: como era a sua família de origem? Em que lugar você nasceu e de que jeito você veio para o mundo?
Ana Michelle Soares. As pessoas acabam querendo contar a minha história a partir de um diagnóstico. É muito difícil entender como eu me conecto com a vida sem dizer que tive uma infância sofrida. Por isso gosto dessa pergunta. Nasci em uma cidade satélite de Brasília chamada Gama. A gente já cresceu precisando sobreviver às dores sociais. Ainda bebê, tive uma hérnia durante um período de greve dos hospitais. Minha mãe chorava e ninguém podia me atender. Meu pai precisou implorar por uma cirurgia em uma clínica particular. Eu venho deste contexto, de uma família que tentou melhorar a condição para os filhos. Meu pai assumiu esse compromisso.
O que você aprendeu sobre dinheiro nesse percurso de entender a vida e a morte? Fui diagnosticada com 28 anos. De repente esse muro da finitude foi me apresentado em uma época em que se planeja tudo: casa, carro, filhos. Depois do adoecimento, comecei a olhar para as mídias sociais e observei o sofrimento das pessoas com o dia útil. E como é um paradoxo usar essa palavra, pois a gente transforma esse dia em inútil. Ninguém coloca na conta de vida esse espaço de tempo que para o nosso cotidiano é importante; todo mundo precisa de moeda, de dinheiro. Ninguém vive de luz e amor. O trabalhar virou um sofrimento para que se ganhe um pouco de felicidade no fim de semana. É preciso ressignificar isso ou procurar algo que deixe a sua alma mais em paz nesse dia útil. As pessoas têm medo de serem felizes.
Você é muito generosa no seu livro em compartilhar experiências. Eu queria saber melhor de uma delas, com a ayahuasca, como foi isso? Ela veio durante uma busca espiritual, uma inquietação que sempre tive com a ideia de que a gente precisa temer a Deus. Pesquisando alternativas, cheguei nas praticas xamânicas e na ayahuasca. Foi realmente um antes e depois. O que mais me impactou foi a dimensão de tempo. Me pareceu óbvio que tudo que existe está neste momento: não vou me chicotear pelo que já foi. Mas isso também não significa que estou presa ao presente. Posso estar morta na semana que vem e mesmo assim faço planos. Só não dependo deles para ter um pouco de felicidade.
view more