Publicitária segue caminhada em direção às produções autorais e lança documentário sobre cavalos que questiona relação do homem com o mundo
Flavia Moraes, uma das principais personalidades do cenário audiovisual brasileiro, está prestes a lançar um de seus projetos mais autênticos. Reconhecida por sua atuação dominante no mercado publicitário na década de 1990 e nos anos 2000, ela tomou um novo rumo na direção, focando em filmes com mais profundidade. “Não é uma questão de esclarecer os ignorantes, mas é preciso fazer uma reflexão dessa cegueira contemporânea”, explica. Esse novo caminho fica evidente em sua mais recente empreitada, o documentário "Visions in the Dark", em que explora a habilidade de um treinador de cavalos de demonstrar, de maneira intuitiva e não violenta, como é possível transformar nossa compreensão da natureza e de nós mesmos.
Da Califórnia, nos Estados Unidos, onde mora atualmente, Flavia bateu um papo com o Trip FM sobre arquitetura, o cinema em Hollywood e sua identidade como pessoa não binária, entre outros assuntos fascinantes. O programa fica disponível no Spotify e aqui no play aqui em cima.
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Trip. Tem publicitário que te elogia como cineasta e diretor de cinema que fala que você é uma grande publicitária. Você sempre andou por vários mundos?
Flavia Moraes. Eu sempre fui fora da casinha. Essa coisa do não binária me acompanha desde a questão de gênero até a questão profissional. Fiz uma carreira importante na propaganda, mas queria fazer cinema, então nunca me senti publicitária, mas também não era cineasta. Eu era gaúcha, mas morava em São Paulo. Tem uma pluralidade que vem de uma certa característica da busca, da vivacidade que eu tenho apesar de já ter uma certa idade.
É verdade que quando criança você se disfarçava de menino pra entrar em campeonato de futebol? Eu jogava futebol na rua com os meninos. Durante os anos 60 o que se esperava de uma menina era boneca, mas eu batia um bolão. Chegou um momento em que a gente precisava jogar um campeonato e a Flavia entrou como Flavio. Eu lembro muito da situação, foi um pouco traumática porque eu não podia jogar, por exemplo, do lado dos sem camiseta. Engraçado, mas traumático. Tenho problema na coluna até hoje por tentar esconder o seio. Foram inúmeras situações complicadas e que não têm graça nenhuma; já levei uma surra de caminhoneiros em um posto de gasolina.
O que te levou aos Estados Unidos? Eu vim para os EUA para me profissionalizar, pois no Brasil a gente trabalhava com sucata nos anos 90. Me apaixonei pela Califórnia, mas aqui eles também estão voltando para trás. A polarização é impressionante, está cada vez mais difícil ter amigos: o dinheiro é sempre o assunto principal. E o tipo de cinema que eu quero fazer acabou aqui, eles estão atrás de entretenimento e escapismo. Não estão comprando nada que obrigue o espectador a pensar. A palavra de ordem é desligar.
O seu novo filme, "Visions in the Dark", fala muito da ignorância humana, da incapacidade de ver outra forma de olhar para o animal. Com esse filme eu fiz questão de mostrar, por exemplo, que os gaúchos adoram os seus cavalos: cantam, dizem poesia para eles. É um amor inegável, mas também uma ignorância por aquilo que já está posto. Eles aprenderam que o animal se ensina com violência, algo passado pelo avô, pelo bisavô. Os rodeios acontecem todos os finais de semana no Brasil, na Argentina, no Uruguai... Não é uma questão de esclarecer os ignorantes, mas é preciso fazer uma reflexão dessa cegueira contemporânea. A gente inventou a inteligência artificial enquanto o mundo dá sinais claros de que nós temos problemas globais para resolver. Não podemos continuar nessa desconexão.
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