# 29 - Otto Lara Resende entrevista Nelson Rodrigues
Texto publicado no Memória Globo https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-e-telejornais/painel/entrevistas/
ENTREVISTA DE OTTO LARA RESENDE COM NELSON RODRIGUES
Algumas das entrevistas realizadas por Otto Lara Resende no Painel se tornaram históricas, como a que foi ao ar em 22 de agosto de 1977. Em um cenário simples – fundo azul, duas cadeiras separadas por uma pequena mesa –, ele entrevistou o jornalista, dramaturgo e amigo de longa data Nelson Rodrigues, que estava lançando o livro de crônicas O Reacionário. O livro, entretanto, foi um dos últimos assuntos abordados na entrevista. Antes, os dois conversaram durante quase meia-hora, em clima de absoluta descontração e informalidade, sobre os mais variados tópicos, a começar pela saúde de Nelson Rodrigues. O dramaturgo disse ter saído de um período de 15 dias doente com a firme convicção de que a alma é imortal e que, por isso, desprezava os que achavam que a morte era o fim definitivo. Perguntado sobre qual seriam as suas últimas palavras, contou que quando esteve de cama, com febre, o jornalista Pinheiro Jr., seu colega no jornal Última Hora, lhe fez a mesma pergunta, em tom de brincadeira. Com 40 graus de febre, Nelson respondera então ao amigo que suas últimas palavras seriam “Marx é uma besta!”.
Painel: Entrevista com Nelson Rodrigues (1977)Otto Lara Resende entrevista Nelson Rodrigues, Painel, 18/10/1977.
Declarando ser o único a elogiar a velhice como a maior das qualidades, Nelson afirmava que o jovem só pode ser levado a sério quando envelhece e que, à parte Mao-Tsé-Tung, nenhum líder ilustre foi realmente grande quando ainda era jovem. Otto discordou e deu início a um delicioso debate sobre o tema. Ao ser confrontado com exemplos de homens que já eram brilhantes na juventude – Rimbaud, Pascal, Napoleão, Beethoven –, Nelson os aceitava apenas como raras exceções. Otto insistiu: “Você próprio, Nelson Rodrigues, que começou na imprensa muito cedo: você era um idiota?” Nelson respondeu que sim e acrescentava: “Aos 20 anos, eu não sabia dizer ‘boa noite’ a uma mulher”. Otto: “E Jesus Cristo, que morreu aos 33 anos?” Nelson: “Ele era o Cristo. Te dou vários anos de meditação para descobrir um cristo de 15 anos”. Otto: “Nós estamos numa conversa e não numa competição. E longe de mim pretender te dar uma chave de rim ou ganhar uma discussão, porque da discussão não nasce a luz, nascem os perdigotos!”
O Reacionário tinha como subtítulo, “memórias e confissões”. Mesmo observando que a palavra “reacionário” já teve inúmeras conotações no decorrer da história – chegando até a ser sinônimo de “revolucionário” durante a década de 1920 –, Otto Lara Resende questionou a escolha do termo para dar nome a um livro que retratava uma parte substancial da atividade jornalística de Nelson Rodrigues. Seria uma forma de chamar a atenção, alguma “técnica de publicidade”?, perguntou ele. “Não, meu caro Otto, é uma técnica de sinceridade”, respondeu o escritor, acrescentando que se considerava reacionário, no melhor dos sentidos. O título do livro era uma provocação àqueles que, chocados com suas opiniões pouco convencionais, o taxavam de retrógrado. Dizendo ter se descoberto anticomunista as oito anos de idade, Nelson preferia atribuir o sentido pejorativo da palavra a determinadas tendências políticas da época: “Reacionário, no sentido que conheço, é a esquerda brasileira, que tomou o lugar da direita”.
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