Uma das psicoterapeutas mais requisitadas pela mídia fala sobre família, feminismo e pandemia
Uma fala assertiva e extremamente acessível sempre garantiu à Vera Iaconelli um lugar como analista para alguns dos principais veículos de comunicação do país. Colunista do jornal Folha de S. Paulo, a psicoterapeuta certamente viu seu nome ainda mais requisitado durante o período de quarentena. Para a CNN ela falou a respeito do sofrimento e ao Jornal Nacional deu uma entrevista sobre a saúde mental e a pandemia. Entre essas e outras incursões na mídia, a doutora pela USP mantém o mesmo perfil – tira o peso e traz ao chão temas que na voz de outros cientistas ganhariam ares muito mais opressivos. Sobre a condição humana, dispara: "Nós somos egoístas, isso não se erradica; a humanidade é um miserê mesmo e encarar isso é menos ruim”.
Quando cita o presidente Jair Bolsonaro, ela também não exagera no diagnóstico. “É uma pessoa terrivelmente mediana que ganhou um poder enorme, alguém que qualquer um poderia ter dentro da família; um egoísta que só ama os seus, gosta de levar vantagem em tudo e tem uma relação limite com a lei."
Em um papo com o Trip FM, Vera ainda tratou sobre feminismo, família, a proeminência de pessoas brancas na psicologia e a possível dificuldade que alguns possam sentir com o fim das medidas de isolamento social. Ouça o programa no Spotify ou leia um trecho da entrevista a seguir.
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Trip. Queria que você falasse um pouco sobre o sofrimento. O que ele produz em termos de evolução para as pessoas?
Vera Iaconelli. O sofrimento é importante para a psicanálise; as pessoas nos procuram porque estão sofrendo. Dentro de uma lógica judaico-cristã ele foi sendo posto como forma de redenção – se você sofre bastante, em uma outra vida virá a salvação. Em termos psíquicos, não funciona assim. O sofrimento pode embrutecer, criar uma pessoa que retransmite sofrimento. Isso acontece se o sentimento não for elaborado. A questão não é a forma como a gente vive, mas a forma como a gente transforma vivência em experiência. É um trabalho meritório.
E do outro lado, essa ilusão de deixar as crianças blindadas de todo o sofrimento e das dores. Que tipo de pessoa cresce em um ambiente como esse? Alguém despreparado para várias coisas: não só para lidar com os acontecimentos, mas também com os próprios afetos. O mais perigoso é como as crianças tem demonstrado medo de ficarem tristes, de sentirem raiva e de sofrer. Como se cada afeto fosse extremamente perigoso. É uma geração que cada vez mais busca medicamentos para não entrar em contato com os afetos, para evitar questões comuns da vida como ficar com medo de uma prova, ficar triste porque rompeu um namoro e ficar inseguro na vida sexual. Esses são aqueles perrengues que a gente precisa para criar repertório e os pais têm impedido como se a criança fosse morrer, como se essas experiências fossem feri-las para sempre.
Você fez uma série de lives com terapeutas negros no seu Instagram. Como é a vida desses profissionais no Brasil? No Instituto Gerar de Psicanálise, que eu coordeno, tem um grupo em que a gente discute como fazer uma psicanálise que seja a nossa cara, que não seja uma reprodução de algo que começou ali na Viena da virada do século XX. E como fazer mais negros se tornarem psicanalistas. É difícil, pois às vezes eu indico um colega e as pessoas não vão porque elas querem alguém branco, mesmo que ela não conheça. É revoltante, mas é um fato. É um processo importante. As lives mostraram como foi, para aqueles analistas, não ter ninguém confiando neles. Se for para fazer uma psicanálise elitista, como ela já é, cobrando uma fortuna pela consulta, eu prefiro fazer outra coisa.
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