Os cravos já podem respirar de alívio. Aos que não se safaram, cumpriu pelo menos sacrificarem-se em nome desse folclórico garridismo que corta as ruas uma vez por ano antes que a vida retome o castigo e as injúrias em tons de cinzento. Estamos fadados a celebrar pela eternidade fora um futuro a que ninguém teve a decência de abrir a porta, e assim prosseguem as missas solenes e as milhentas exposições em honra dessa perpétua ausência. As comemorações, como notava António Guerreiro faz já uns anos, as oficiais e as não oficiais, as da esquerda, as do centro e as da direita, sem surpresa, provaram uma vez mais ser "completamente inócuas, politicamente anestesiadas, de um conformismo idiota que serve sem a mínima reserva a reificação do passado. Por elas, não passa nem uma ligeira brisa de pensamento. Tudo desertou, ficou apenas o palco vazio de uma ideia." O mês mais ansiado, aquele que chegou a perfumar-nos os sonhos, veio assim a tornar-se o mais cruel, enquanto a tal democracia, quando foram ver, cutucar a mirífica criatura com a vara, pôr-lhe um espelho junto ao nariz, afinal estava defunta, e Portugal realizava-se uma vez mais como a anti-nação. Mas temos os cravos, que amanhã terão já sido varridos, e os escravos para não deixar que essa desoladora imagem deixe um gosto amargo no fim da festa.
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